Clave de sol
A clave de sol é a minha consciência. Ela acompanha-me em todos os momentos. Da mesma forma que guia as notas pelas linhas da pauta, vai orientando os meus pensamentos no meu mundo à parte. No fundo, a clave de sol é a minha amiga mais íntima, aquela que conhece a criança e o monstro que existem em mim.
Sabem? É que a minha amiga clave de sol fez-me a vida negra na escola primária. Mais especificamente, nas aulas de Educação Musical onde eu tinha de aprender a desenhá-la. E que frustração eu sentia por não conseguir desenhá-la tão elegante como a minha professora desenhava. Talvez, por isso, a clave de sol me tenha escolhido como vítima. Desde então que ela fala comigo. Ensina-me as coisas mais importantes da minha vida.
A clave de sol não me deixa esquecer os meus pés pequeninos em cima dos sapatos castanhos já um pouco gastos do meu pai. Não. Ela não me deixa esquecer que, eu, naquela altura, dava passos mais largos do que alguma vez dei, só porque eram os meus passos. Nunca mais andei ao seu ritmo. Mas aprendi que sonhar é o primeiro passo para se ser gigante. Pois sempre ouvi dizer, da boca da minha mãe, as palavras sábias de Fernando Pessoa: “Somos do tamanho dos nossos sonhos”.
A minha consciência faz-me companhia nos momentos em que mais quero sossego, porque ela conhece-me como ninguém e não me incomoda. Momentos como aqueles em que me aconchego no meu “puff” castanho, ao lado da janela com vista para o quarto da vizinha da frente, a ler um livro. E, quando estou tão acomodada que não me apetece tirar as mãos quentinhas do colo para virar as páginas, ela vira-as por mim. Sim. A minha clave de sol relembra-me que é necessária uma boa dose de preguiça para se ser feliz. Como dizia Mia Couto, que eu fui lendo uma e outra vez para a minha consciência, “Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer.”
A clave de sol é a minha consciência. É uma caixa sem fundo com lenços pretos de algodão que a minha avó paterna usa todos os dias, as cartas pequeninas cor-de-rosa com um passarinho pintado com que eu jogava com o meu avó materno. É o biberão que eu adorava beber deitada no sofá de pele da minha avó materna. É. Ela guarda toda a sabedoria dos meus avós. E a sabedoria que eu via todos os dias na minha professora primária, que se chamava Nazaré e era muito elegante. Vestia-se a condizer com a sua profissão, usava um colar de pérolas manchado, armava o cabelo louro e pintava os lábios de um vermelhão encantador. Tinha olhos azuis, por vezes meigos, outras frios. Mas para mim, ela tinha sempre um beijinho e uma “chapadinha de amor”, que era um outro nome para uma festinha no rosto.
E, ás vezes, quando estou quase a adormecer, a clave vira as páginas da minha memória e ensina-me, mais uma vez, as minhas lições. E então, numa súbita ânsia eu digo-lhe assim: “Ó Clave! Eu quero ser velha. Também quero ser sábia!” Ao que ela, prontamente, me responde: “ Está bem. Mas, lembra-te! Até lá chegares tens de sofrer e aprender as lições. Só assim serás como eu.” E é nesse momento que eu percebo que a minha clave de sol não só é a minha consciência, como também é a velhota que um dia espero ser. Depois adormeço e a clave embala-me com o seu silêncio.
Sabem? É que a minha amiga clave de sol fez-me a vida negra na escola primária. Mais especificamente, nas aulas de Educação Musical onde eu tinha de aprender a desenhá-la. E que frustração eu sentia por não conseguir desenhá-la tão elegante como a minha professora desenhava. Talvez, por isso, a clave de sol me tenha escolhido como vítima. Desde então que ela fala comigo. Ensina-me as coisas mais importantes da minha vida.
A clave de sol não me deixa esquecer os meus pés pequeninos em cima dos sapatos castanhos já um pouco gastos do meu pai. Não. Ela não me deixa esquecer que, eu, naquela altura, dava passos mais largos do que alguma vez dei, só porque eram os meus passos. Nunca mais andei ao seu ritmo. Mas aprendi que sonhar é o primeiro passo para se ser gigante. Pois sempre ouvi dizer, da boca da minha mãe, as palavras sábias de Fernando Pessoa: “Somos do tamanho dos nossos sonhos”.
A minha consciência faz-me companhia nos momentos em que mais quero sossego, porque ela conhece-me como ninguém e não me incomoda. Momentos como aqueles em que me aconchego no meu “puff” castanho, ao lado da janela com vista para o quarto da vizinha da frente, a ler um livro. E, quando estou tão acomodada que não me apetece tirar as mãos quentinhas do colo para virar as páginas, ela vira-as por mim. Sim. A minha clave de sol relembra-me que é necessária uma boa dose de preguiça para se ser feliz. Como dizia Mia Couto, que eu fui lendo uma e outra vez para a minha consciência, “Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer.”
A clave de sol é a minha consciência. É uma caixa sem fundo com lenços pretos de algodão que a minha avó paterna usa todos os dias, as cartas pequeninas cor-de-rosa com um passarinho pintado com que eu jogava com o meu avó materno. É o biberão que eu adorava beber deitada no sofá de pele da minha avó materna. É. Ela guarda toda a sabedoria dos meus avós. E a sabedoria que eu via todos os dias na minha professora primária, que se chamava Nazaré e era muito elegante. Vestia-se a condizer com a sua profissão, usava um colar de pérolas manchado, armava o cabelo louro e pintava os lábios de um vermelhão encantador. Tinha olhos azuis, por vezes meigos, outras frios. Mas para mim, ela tinha sempre um beijinho e uma “chapadinha de amor”, que era um outro nome para uma festinha no rosto.
E, ás vezes, quando estou quase a adormecer, a clave vira as páginas da minha memória e ensina-me, mais uma vez, as minhas lições. E então, numa súbita ânsia eu digo-lhe assim: “Ó Clave! Eu quero ser velha. Também quero ser sábia!” Ao que ela, prontamente, me responde: “ Está bem. Mas, lembra-te! Até lá chegares tens de sofrer e aprender as lições. Só assim serás como eu.” E é nesse momento que eu percebo que a minha clave de sol não só é a minha consciência, como também é a velhota que um dia espero ser. Depois adormeço e a clave embala-me com o seu silêncio.